Decidi fazer uma espera a curta distância do local provável de entrada, para confirmação da direcção do vento à noite e auscultação do trajecto, sem arma e no período de lua nova, para que a rês entrasse confiante. Por volta das 21:45h e sem ter ouvido qualquer ruído, fui detectado a cerca de 10 m, devido a súbita viragem do vento. Um ronco violento e uma fuga calma deram a entender o comportamento típico de navalheiro.
Mar 2004 – Montei um cevadouro no campo junto ao mato, para fixação da rês. A visita era frequente e só o carreiro de entrada e saída era perceptível. Decidi então fazer uma espera no outro extremo do campo, a 70 m, e ainda com lua fraca. Ouço o ruído de aproximação da rês e vejo-a a entrar. Fico tenso. Com a carabina apoiada, armo gatilho de cabelo e sigo o porco. Parece-me pequeno e decido aguardar. Relaxo, e sem querer, toco com o dedo no gatilho. Assusto-me com o disparo. Enquanto seguia os seus movimentos, mantive instintivamente a mira no sítio certo e dá-se o abate.
Rês média mas demasiado pequena para o comportamento então observado. Ao aproximar-me do cevadouro após o tiro, constatei aquela fuga sempre calma do navalheiro, que experiente, e desde o nosso primeiro encontro, logo tratou da sua segurança com a companhia de um escudeiro.
Abr 2004 – O cevadouro no campo não voltou a ser mexido. Montei entretanto um segundo cevadouro no mato, em zona muito suja e sem visibilidade para atirar. e que é visitado todos os dias. A sua presença continua confirmada. No entanto, as idas ao campo são pouco frequentes.
Preparei uma banha artificial com lamas no mato perto do último cevadouro. Demora alguns dias a utilizá-la. Finalmente consigo a sua “foto”: a altura das lamas nas árvores vai até 70 cm e existem navalhadas na casca. Boa expectativa de navalheiro.
Continuo a aproveitar o período da lua, mas as esperas efectuadas por vezes até muito tarde, acabam sem resultado. Verifico pelo estado das pedras e terra que as entradas são aleatórias e sobretudo tardias.
Entretanto, troquei impressões com o meu amigo Paulo de Monção. Nada feito. Havia dois anos que perseguia um grande navalheiro, tinha utilizado muitas técnicas e, ainda sem resultados.
Mai 2004 – Algumas visitas ao cevadouro do campo e diárias ao 2º cevadouro. Monto um 3º cevadouro no mato, a 30 m do 2º, com pouco campo de visão mas que já me permite atirar.
Desactivo progressivamente os dois outros cevadouros e o novo começa a ser visitado com frequência. A nova credencial chega, já a entrada da lua é tardia e a visibilidade fraca, mas decido fazer de imediato uma espera. Ás 20,00h, ruído muito subtil de pau a partir; 20,30h, novo ruído quase imperceptível de mato a mexer; 20,45h, uma cabeça enorme afasta as pedras e começa a comer. Aí está… é o lance tão esperado. Aguardo um pouco e deixo ganhar à vontade, meto a arma à cara lentamente no máximo silêncio, aponto, gatilho de cabelo… tiro no pescoço, queda, tentativa de fuga e tiro de remate.
De imediato telefono ao meu irmão: já está! Desloco-me para ver finalmente o meu troféu e ouço a conhecida fuga calma. Confuso, constato que atirei a uma enorme fêmea com cerca de 90 kg…
Confirmei posteriormente com um lavrador, que tinha visto a cerca de 3 km, na manhã (6:00h) desse dia, dois bichos juntos, muito grandes.
Jun 2004 – As culturas de milho próximas, mas fora da ZCM, desactivaram praticamente as visitas aos cevadouros.
O tempo era bom e convidava às esperas durante os nove dias de lua. Sempre podia observar uma raposa e um ou outro coelho. Na última espera, ouço ruído de mato a partir que vai crescendo, entre o 2º e 3º cevadouro. O ruído aumenta, e de uma forma continuada, começa a diminuir. Afasta-se sem parar.
Nunca mais os cevadouros foram visitados.
Jul 2004 – Durante quase todo o mês não existem sinais da sua presença. Entretanto há uma reclamação dos agricultores, por danos num campo de milho, a 1 km do local das esperas.
Vou verificar e encontro marcas visíveis de rês grande, possivelmente do navalheiro. Decido aguardar num ramo de uma árvore no presumível local de entrada. Ouço ao largo, o mato a partir, mas de passagem. Desaparece completamente das culturas.
2 Ago 2004 – Pela manhã, telefonam-me com nova reclamação de danos, pois esteve presente no sábado e domingo, com estragos bem visíveis num campo de milho.
As marcas seguiam diferentes pistas, nomeadamente a travessia do caminho de acesso numa encosta e várias entradas na cultura. Face aos elevados danos havia que encontrar decisões rápidas.
Nessa noite, eu e o meu irmão iríamos montar duas esperas. Inspeccionado o local e pisteada a encosta durante a tarde, com o meu filho Pecas, decidimos por unanimidade os locais escolhidos, e fiquei sentado na borda do caminho, num combro de 50 cm de altura, com ramagens de eucalipto na frente e a 30 m da travessia. O meu irmão ficou “confortavelmente” na árvore, onde controlava as entradas para a cultura. Instalamo-nos às 19:30h.
O tempo estava enevoado e ameaçava chuva. O vento fraco, insistia em desanimar-me, rodando da frente para a esquerda e por vezes de trás. O ruído das cascas dos eucaliptos simulava muitas vezes o esperado partir do mato, mantendo-me constantemente em alerta. Às 20:30h uma raposa vem caminho acima na minha direcção. Aproveito para testar a minha posição e o movimento de meter a arma à cara. Apenas o roçar da coronha no casaco leva a raposa a rodar 90º de um só salto, na minha direcção. Pára, aguarda e continua sem alarme. Está tudo bem, só tenho de ser mais lento e amplo nos movimentos.
Sinto que está uma noite de caça… Existe harmonia com o meio…“Tá-se bem”! Às 21:50h começa a pingar umas gotas grossas e que vai aumentando lentamente. Será que o meu irmão quer ir embora? Não há qualquer sinal de luz. Estamos em sintonia, como sempre.
Ouço um estalar leve, à esquerda, em baixo e atrás de mim. Não existem ali sinais de passagem, não é ele…, mas o canto do olho está lá para confirmar. Serão as cascas dos eucaliptos com o vento?
A chuva pára e a brisa leve entra da esquerda, certa, calma. Volto a confirmar pelo canto do olho, atrás. Aquela mancha escura não estava lá…, ora, não se mexe! Alto… e o círculo claro no centro…, mexe-se agora… e vem caminho abaixo na minha direcção, nas minhas costas, sem um único ruído e em passo lento. Calma…, o vento está bom…, o caminho tem 3 m de largura e estou a controlar perfeitamente a respiração…. Parou ao meu lado a olhar para mim… é ele!!! Avança 1 m e fica encoberto pelas ramagens de eucalipto que estão à minha frente. Não o vejo… nem um movimento…, se não puder atirar com certeza, vai entrar na cultura e aí eu sei o que lá está: outra Steyr Manlicher 300WM com 3 Nosler 180 grains, com mais de 90% de eficácia. Calma…, ainda não se mexeu ou será que já foi mato abaixo, sem ruído? Olho para o relógio, são 22:20h.
Lentamente, olho para a frente e vejo a sombra negra que prossegue o caminho sempre com a mesma calma. Meto a arma à cara, sem roçar a coronha e aponto. O local de impacto não é o melhor, na espádua de cima para baixo e por trás.
Aproveito uma ligeira flexão do animal para a direita e atiro. A rês rola caminho abaixo e tenta levantar-se, de lado, atravessada. Agora! Aponto bem à espádua e disparo. O animal cai! Meto a 3ª bala, levanto-me, acendo a lanterna e desloco-me na sua direcção.
Que bicho!!!. Ainda respira, e decido rematá-lo com o ultimo tiro para não sofrer mais. Aponto a lanterna, encostada à arma e, de repente, numa tentativa de ataque, arranca direito a mim com toda a força. Aponto com segurança, avança pouco mais que 1 m e cai de lado. Disparo, para acabar rapidamente com o nobre animal.
Foi um lance inesquecível. Olho-o, com a admiração e o respeito que só um caçador sente perante a sua rês.
É sentir o fim de uma ligação mística e com tantas emoções, feitas de pequenos detalhes e grandes momentos, que só a caça proporciona…
Apontamentos1. Períodos de espera: Fevereiro a Agosto de 2004
2. Local: Macinhata da Seixa - Concelho: Oliveira de Azeméis - Distrito: Aveiro
3. Zona de caça: Proc. Nº 3333 DGF - Zona de Caça Municipal de Oliveira de Azeméis
4. Entidade titular: Clube Associativo de Caça e Pesca Loureirense – Loureiro – O. de Azeméis
5. Autorização de Caça: – Acção de correcção de densidade - Credencial DGRF – Ref. SCP/ 1877 de 2004.07.06
6. Método de Caça: Espera no solo
7. Arma: Steyr Mannlicher Elegance 300WM equipada com óculo Swarowsky 1,5-6 x 42
8. Munição: Federal Nosler Partition 180 grains
9. Lance final - Data: 02 de Agosto de 2004 - Hora: 22:20 h
10. Tempo: Enevoado, com ligeiros aguaceiros. Chuvada 30 min antes da entrada
11. Zonas de impacto e distâncias de tiro: 1º - Espádua esq., cima para baixo, trás para a frente - 20 m
2º - Espádua esq. Lateral - 25 m
3º - Entre as mãos, com a rês de lado - Remate: 15 m 12. Características da rês: Peso estimado 130kg, comprimento 1,60 m, pelagem muito uniforme e densa, com focinho muito comprido.
13. Troféu: Medalha de prata com 106,03 pontos C.I.C. – Registo nº 147 da Comissão Nacional de Homologação de Troféus
Notas diversas
a. Os cevadouros foram controlados por mim, praticamente todos os dias desde Fevereiro a Julho. Em cada deslocação, fazia cerca de 15 km e gastava uma hora. Utilizei cerca de 60 kg de cereal.
b. A zona de passagem da rês para os cevadouros nunca foi cortada por mim, nas deslocações de e para as esperas. No regresso, percorria cerca de 500mt a pé, sempre no máximo silêncio e nunca utilizando qualquer foco de luz. No dia do lance, 3 pessoas calcaram toda a área e inclusive deslocamo-nos para as esperas pelo caminho donde entrou a rês.!
c. Retirei, por duas vezes, laços montados por um caçador furtivo, cuja técnica era notável, quer nos materiais naturais e atractivos eficientes que utilizava, quer no cuidado posto na habituação progressiva do animal às alterações do meio, através da sequência de mudança das formas da vegetação e montagem dos componentes. |
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